"A história que se ensina e que baseia a governação e os comentários jornalísticos, outrora matéria oficial dos cronistas régios e ainda hoje departamento predilecto da erudição académica, está para a história integral como a espuma suja da superfície para as fermentações de um líquido (...): uma parte, e parte miserável, de um nobre conjunto.(...) A história integral possui outro plano oculto, o da subterrânea acção criadora - subterrânea como a das raízes daquele arvoredo que no Outono se despiu das suas frondas que lhe sobem das ocultas raízes. A essa história enganosa e ruidosa da superfície opõe-se a verdadeira e silenciosa, a das fermentações profundas, a das raízes invisíveis, a infra-história - zona em que a inteligência estimulada por todos os anseios labuta, não pelo domínio do homem sobre o homem, sim pelo domínio do homem sobre a Terra, com toda a fenomenalidade que o envolve e todo o cenário do Cosmos que o defronta. Essa infra-história é que determina a agitação da história aparente. Assim a realidade profunda e invisível do mundo vibratório do átomo determina a aparência enganosa e bela do mundo empírico das sensações (...) como em boa verdade coexistem os dois mundos, o das sensações de perímetro humano e o da vibração atómica de perímetro universal, assim coexistem os dois planos da história, o da aparência superficial e o da realidade profunda."
in Entre Dois Universos, 1959, Fidelino de Figueiredo.
[acerca de Fidelino de Figueiredo, ler artigo de Carlo Leone aqui]
Conheço mal Fidelino de Figueiredo. Não era um autor muito amado quando estudei na faculdade. Tive 4 cadeiras de história (nenhuma delas foi técnica), e não creio que ele fizesse parte da bibliografia essencial e obrigatória. Este texto é muito interessante. Refere-se à história de uma forma que podemos usar para referir aquilo que consideramos a realidade. E que é, a um certo ponto, para a maioria, a realidade.
o corpo estaua descuidado, com os sentidos presos, & a alma andaua cuidadosa, levantando, derrubando estatuas, fãtasiando Reynos, Monarquias. Mais fazia Nabucodonosor dormindo, que acordado: porque acordado cuidaua no gouerno de hũ Reyno, dormindo imaginaua na sucessão de quatro. Pois se Nabuco era Rey dos Assírios, quem o metia com o Imperio dos Persas, com o dos Gregos, com o dos Romanos? Quem? A obrigação do officio que tinha. Era Rey, quem quer conseruar o Reyno proprio hade sonhar com os estranhos.
António Vieira, in Serman do Esposo da May De Deos S. Joseph.
Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada - reflecte o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste. O fado, porém, não é alegre nem triste. É um episódio de intervalo. Formou-o a alma portuguesa quando não existia e desejava tudo sem ter força para o desejar. As almas fortes atribuem tudo ao Destino; só os fracos confiam na vontade própria, porque ela não existe.O fado é o cansaço da alma forte, o olhar de desprezo de Portugal ao Deus em que creu e também o abandonou.
1 comentário:
Conheço mal Fidelino de Figueiredo. Não era um autor muito amado quando estudei na faculdade. Tive 4 cadeiras de história (nenhuma delas foi técnica), e não creio que ele fizesse parte da bibliografia essencial e obrigatória.
Este texto é muito interessante. Refere-se à história de uma forma que podemos usar para referir aquilo que consideramos a realidade. E que é, a um certo ponto, para a maioria, a realidade.
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