30.6.07

Caliban

[ilha de moçambique]


Há muitos, muitos anos já - tantos
que o real mal esboçava o corpo
do que viria a ser fantasia e lenda

e o homem era um bicho inocente
e natural pois nem sequer inventara
ainda mistérios para depois da morte,
lugares recônditos para o amor
e coisas como o pecado, o crime ou a guerra
- aconteceu, certa feita, terem acordado
as gentes de terra firme, para um estranho
facto: a neblina era pesada e densa
e não se via mais a ilha. Aflitos,
os homens gritaram: " - Desapareceu
a ilha, desapareceu a ilha!"
Parecia terem-na tragado as águas,
era só um mar de chumbo a perder
de vista, um pasmo silencioso sem
o claro rumor de gaivotas e velas brancas
na baía. Quando voltou a surgir,
raiava o sol e a ilha estava no céu,
reclinada entre nuvens e azul,
o insuportável diamante iridiscente
de que ainda hoje guarda o resplendor.

Lenda, Rui Knopfli

Crónica do Imperador Clarimundo





"E não foi a fundação dela sem grande mistério, porque estando Ulisses dormindo, apareceu-lhe Júpiter dizendo: - Ulisses, quão pouco te hão-de aproveitar teus trabalhos ordenados para a destruição de Tróia, pois no fim deles e dela, ficarás mais vencido que vencedor, que não se conta por vitória a que por engano e traição dos naturais se alcança (...) e os Troianos desbaratados e vencidos cobrarão gloriosa fama; porque da sua cidade sairá aquele, da geração do qual nascerá o fundador de Roma (...) e a vossa Grécia mui humilde será submetida debaixo de seus pés e porque a tua geração não fique com estas coisas abatida, faze o que te disser (...). Onde esta noite vires cair um sinal de fogo, ali fundarás uma cidade, a qual depois que a grã Roma desfalecer de seu senhorio perdendo nome de imperatriz crescerá em tamanho poder e alteza (...) será para ti maior louvor que quantas cousas no cerco de Tróia fizeres (...) Ulisses ao outro dia atinando onde vira cair o raio, foi dar com uma esfera lavrada em uma pedra da cor do mesmo fogo, e pelo zodíaco tinha umas letras que diziam: Sobre este fundamento seja posta a primeira pedra da minha cidade, porque outra tal figura como esta será sujeita a quem me tiver por cimento."


[Lima de Freitas, pintura sobre azulejo, estação do Rossio, Lisboa]

in Cronica do Imperador Clarimundo, João de Barros. 1521

[Nota: as expressões assinaladas a negrito aludem ao contexto político da época - João de Barros remete obviamente para a esfera armilar, tomada como empresa e sinal por D. Manuel]

29.6.07

Fidelino de Figueiredo


"A história que se ensina e que baseia a governação e os comentários jornalísticos, outrora matéria oficial dos cronistas régios e ainda hoje departamento predilecto da erudição académica, está para a história integral como a espuma suja da superfície para as fermentações de um líquido (...): uma parte, e parte miserável, de um nobre conjunto.(...) A história integral possui outro plano oculto, o da subterrânea acção criadora - subterrânea como a das raízes daquele arvoredo que no Outono se despiu das suas frondas que lhe sobem das ocultas raízes. A essa história enganosa e ruidosa da superfície opõe-se a verdadeira e silenciosa, a das fermentações profundas, a das raízes invisíveis, a infra-história - zona em que a inteligência estimulada por todos os anseios labuta, não pelo domínio do homem sobre o homem, sim pelo domínio do homem sobre a Terra, com toda a fenomenalidade que o envolve e todo o cenário do Cosmos que o defronta. Essa infra-história é que determina a agitação da história aparente. Assim a realidade profunda e invisível do mundo vibratório do átomo determina a aparência enganosa e bela do mundo empírico das sensações (...) como em boa verdade coexistem os dois mundos, o das sensações de perímetro humano e o da vibração atómica de perímetro universal, assim coexistem os dois planos da história, o da aparência superficial e o da realidade profunda."

in Entre Dois Universos, 1959, Fidelino de Figueiredo.


[acerca de Fidelino de Figueiredo, ler artigo de Carlo Leone aqui]


Sefarad


"E devido a que uma parte da tribo de Judá encontrou refúgio em Espanha, como dizem as escrituras (...) e a que o território de Sefarad se coloca no centro do Céu, com toda a exactidão e precisão, sob o meridiano recto, enquanto que os filhos de Babilónia se encontram no meridiano de Oriente: por esta razão se propagaram as ciências nestes dois extremos, segundo as suas variedades (...) e nestes dois lugares alcançou o mundo sua glória e sua grandeza."


in "Tahkemoni" (1218), de rabi Yehuda Al-Harizi (em hebraico, Yehudah ben Shelomo al-Harizi). n. 1165 Toledo, f. 1225 Aleppo.


[Nota: Espanha, ou Espanhas, designava toda a Península, justamente hispanica, até à abusiva cativação do nome pelos Reis Católicos em favor exclusivo dos seus reinos (não sem o vivo protesto de D. João II); Ibérica é designação convencionada mas redutora, pois os povos do Ebro apenas ocuparam parte daquela - uma porção de território inclusivamente inferior à faixa dominada pelas tribos identificadas com a província romana da Lusitania]

27.6.07

A Árvore Seca


Portugalia
: xilogravura do Liber Chronicarum
(Crónica de Nuremberga) de Hartmann Schedel. 1493.

[consultar o Liber Chronicarum digitalizado aqui]

24.6.07

Coro

Tudo o que morre e passa
É símbolo somente
O que se não atinge,
Aqui temos presente
O mesmo indescritível
Se realiza aqui

Goethe, Fausto

Véspera do Prodígio

Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamante,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen.

Natália Correia

Intróito

Daniel
Pessoa
Sabbatai Zevi
Joachim de Fiore
Bandarra
As armas de João I coroadas pela serpente
O selo de Afonso Henriques
Dinis
O cabo sacro entre os sólidos platónicos
A esfera "M.R.O.E." do Venturoso
As armas e empresa do Infante
A coroação do menino-imperador
Vieira
Natália
Sebastião
O Homem
Al-mahdi
A Melencolia de Dürer