26.4.08

David Reubeni


Apresentando-se como descendente da tribo de Ruben, viaja da Núbia e Arábia, em 1525, chegando a Veneza, onde anuncia para breve a redenção do povo judaico. D. João III recebê-lo-á, no ano seguinte, em Almeirim.


Os cristãos-novos, conhecedores da recente descoberta pelos Portugueses de judeus negros na Etiópia, associam a sua presença à iminente reunião das dez tribos perdidas de Israel.


[Nathan de Gaza liderando as dez tribos no regresso do exílio. Gravura, Alemanha, 1666]

A reunião das dez tribos perdidas seria propiciadora da manifestação do Messias.

Em 1527, o Imperador Carlos V invade e saqueia Roma, facto a que David Reubeni atribui o significado escatológico de marco decisivo para o advento do quinto e último império profetizado por Daniel.

Três anos depois, o cabalista Abraão Ben Eliézer Ha-Levi anuncia a vinda do Messias.

Em 1538, David Reubeni, aquando de uma tentativa falhada para conseguir uma audiência com o Imperador Carlos V, é detido em Ratisbona e trazido para Espanha. O Santo Ofício de Llerena condená-lo-á à morte, sendo executado em Auto de Fé de 8 de Setembro.

Messianismos # Islão - breve prontuário




Djafr - Livros ou escritos de profecias.

El-Massih ed dajjâl - O falso messias, o anti-cristo, que há-de apoderar-se de Jerusalém, vindo do Norte, da região da Síria, seguido por 70.000 homens. Trará na fronte as letras k. f. r. que significam infidelidade. Será derrotado por Isa (Jesus), descido do céu.

Ghaîba - ausência (do Imâme) da terra, que cria nos crentes a tawaqqof.

Imamato (Sucessão no) - Adão, Noé, Abraão, Moisés, Jesus (Isa), Maomé. Incarnará finalmente em Maomé, filho do sétimo Imâme (para o xiismo septimano) ou do duodécimo Imâme (para o xiismo duodecimano), sucessor do Profeta.

Imâme - figura do Messias, nele encarnando um certo grau da divindade, ainda que não patente ao mundo. Manifestação da palavra, o crente espera a sua ressureição através do reconhecimento da sua essência.

Kádir - a antítese do Mahadi. Homem que nunca morreu, mantém-se oculto, reaparecendo de tempos a tempos para semear o terror.

Kahin - vidente; referido ao Imâme enquanto capaz de predizer o acontecimento futuro e de o propiciar na hora devida.

Mahadi - a escatologia xiita (shiat ali, o partido de Ali; em oposição aos sunitas, seguidores da sunna, caminho e preceito ortodoxo do profeta, tal como imposto pelos primeiros quatro califas) atribui esta designação ao Imâme desaparecido, oculto, para uns no céu, na nuvem, para outros, que o crêem nunca morto, na caverna (onde teria sido depositado aos nove anos) e que pode regressar a todo o momento. Regressando, assumirá o califado, restaurando o islão. Poucos anos depois do seu regresso, será confrontado por El-Massih ed dajjâl (o Anti-Cristo). Nalgumas formulações, o Mahadi nunca se confunde com Isa (Jesus) sendo apenas seu auxiliar na luta contra ed dajjâl, noutras Cristo acaba por ser o próprio Mahadi. O tema da ocultação convoca semelhanças com a ocultação dos profetas Elias e Enoch.

Messianismo caradjita (caradjismo) - sustenta a acomodação ao destino; fundado por Ali, genro do Profeta.

Messianismo ismaelita - privilegiou o recurso à luta, sobretudo no seio do grupo dos haxaxin (comedores de haxixe; assassinos).

Messianismo fatimida - advoga a crença na vinda do Mahadi, "senhor da hora" que restaurará o islamismo na sua pureza.

Radja - tempo do retorno do Imâme.

Sâ'a - juízo final; para alguns será o tempo da vinda de Isa (Jesus), precedido do Anti-Cristo.

Tawaqqof - a esperança no regresso do Imâme.

25.4.08

Daniel # 4 idades + 1

[Daniel - por Virgilio Monti, Roma, 1884]




Arioc fez comparecer Daniel diante do rei Nabudonosor e disse-lhe: "Magestade! Descobri, entre os exilados judeus, um que diz que é capaz de revelar o significado do sonho."


O rei perguntou a Daniel, que também se chamava Beltechaçar: "És capaz de me contar o sonho e dizer o que ele significa?"


"Vossa Magestade viu diante de si uma estátua gigantesca, muito brilhante e de aspecto impressionante. A cabeça era feita de ouro puro; o peito e os braços eram de prata; o ventre e as coxas eram de bronze; as suas pernas eram de ferro e os pés em parte de ferro e em parte de barro. Enquanto Vossa Magestade olha, uma grande pedra, soltou-se dum rochedo, sem que ninguém lhe tocasse, e bateu nos pés de ferro e de barro da estátua, fazendo-os em pedaços. Como consequência, não só o ferro e o barro, mas também o bronze, a prata e o ouro desfizeram-se em pó; e como o pó da eira, no Verão, o vento espalhou-o de tal maneira que não ficou nenhum vestígio. Porém a pedra cresceu até se transformar numa montanha, que cobriu toda a terra."




[A Sibila Persa - Michelangelo- 1510 - pormenor da Capela Sistina]




"Este foi o sonho. Agora vou dizer a Vossa Magestade o que ele significa."

"Vossa Magestade é o maior de todos os reis. O Deus dos céus deu-lhe soberania, poder, domínio e honra. Fê-lo senhor de toda a humanidade e de todos os animais e aves, onde quer que se encontrem. Vossa Magestade é a cabeça de ouro. Depois de Vossa Magestade, virá outro reino, não tão poderoso como o seu, que será seguido de um terceiro, um reino de bronze, que dominará sobre toda a terra."


[Alexandre Magno na batalha de Isso]


"Em seguida, surgirá um quarto reino, forte como o ferro, que tudo faz em bocados e destrói. E assim como o ferro tudo faz em bocados, também fará em bocados e destruirá os reinos anteriores. Vossa Magestade viu ainda que os pés e os dedos dos pés da estátua eram em parte de barro e em parte de ferro. Isso significa que se trata de um reino dividido. A sua força será em parte semelhante à do ferro, porque havia ferro misturado com barro. Os dedos em parte de ferro e em parte de barro, significa que parte desse reino será forte e parte será fraco."





[Lictores transportando os fasces - machados de lictor, feixes de varas ligadas em torno de machados- símbolo da união romana]



"Vossa Magestade viu igualmente que o ferro estava misturado com o barro. Isso significa que os governantes desse reino tentarão unir as suas famílias por casamento, mas não o conseguirão, da mesma maneira que o ferro se não pode misturar com o barro."



[casal - fresco de Pompeia - A Lex Canuleia, do tribuno Gaius Canulo, passou a permitir o casamento entre plebeus e patrícios, excepcionando a Lei das XII Tábuas e com isso criando a classe híbrida dos Equites - cavaleiros]



"No tempo desses reis, o Deus dos céus fundará um reino que não terá fim. Esse reino nunca será conquistado por outro povo, mas aniquilará por completo todos os outros reinos e permanecerá para sempre."


"Por isso, Vossa Magestade viu como uma grande pedra se soltou de um rochedo, sem que ninguém lhe tocasse, e bateu na estátua de ferro, bronze, barro prata e ouro. O Deus que é poderoso quis assim mostrar a Vossa Magestade o que irá acontecer no futuro. O que acabo de relatar, foi o que o rei viu em sonhos; e esta interpretação é verdadeira."




[Antigo Testamento - Daniel, 2, 26-45- in Bíblia Sagrada, tradução do hebraico, aramaico e grego, pelos Franciscanos Capuchinhos]




[Daniel e a Sibila Eritréia - Pinturicchio - 1454-1513]



Oráculo de Prisca, sibila Eritréia:


Vejo o Filho de Deus, vindo do Olimpo Entre os braços de uma virgem hebréia. Que lhe oferece o seio puro.
Em sua vida viril, entre penas cruéis, Sofrerá por aquelesQue O fizerem nascer, mostrando Que, como um Pai, se afligiu por eles.


[fragmento dos Oráculos Sibilinos atribuído à sibila Eritréia
no Discurso à Assembleia dos Santos (Antioquia), pelo Imperador Constantino]

O Encoberto

[Mapa Dalorto - 1325 - com Brazil, Daculi e outras ilhas imaginárias]

O segundo mitema é o do "rei escondido" (occultus, laturus), frequentemente, numa ilha ou no interior de uma montanha. É a Ilha de Avalon, onde se esconde o rei Artur, a Ilha Verde, onde se esconde o último Imã, o Mahendra, onde se esconde Paru-Rama, e por fim o Kyferberg, onde, segundo a lenda gibelina, o imperador espera, seja ele Barba Roxa ou Frederico II. Será também, o misterioso reino do Prestes João.



[Mestre Lima de Freitas - Preste João - 1986 - acrílico sobre madeira]

Este rei - na sua bem-aventurada ilha - é, ou foi, o rei de um "país de abundância", de riqueza, paz e concórdia. O seu reino, Paraíso na terra ou Arcádia, é o arquétipo da Cidade Feliz, rica e santa. Este mitema vai convergir, entre os judeus, com o da "Terra Prometida", tomando Moisés o papel de Saturno, e, no Apocalipse cristão, com o tema da Jerusalém do futuro, a Jerusalém Celestial, e será então a imagem de João, e depois do Prestes João, a assumir a realeza.

[Gilbert Durand - op. cit.]

Saturno



O primeiro mitema refere-se a uma "realeza passada e perdida", caracterizada pelos reis Janus/saturno, antes de qualquer referência ao tempo, ainda que teogónico. É o mitema da nostalgia (em português, saudade), que nos fala de Janus, "rei de todo o começo", e do seu hospedeiro, Saturno, rei de Saturnia muito antes da história de Roma, cuja decadência, por acção entrópica do tempo, é comprovada com a destituição, e até a castração, do filho da terra, Cronos,pelos seus descendentes olímpicos.


Paradoxalmente, é esta imagem do rei enfraquecido,
envelhecido e doente, que vai herdar o Saturno da Astrologia.
Essa grande imagem do reino caído
e do "Rei desdenhado", doente
- e, no caso de
Amfortas, atingido nas partes genitais -
constituirá uma obsessão de todo o romanesco do ciclo
bretão. São os temas do "gaste pays" (país esgotado) e da
"árvore seca", que aguardam o regresso do salvador.
[Gilbert Durand - 1987 - Nova Deli - Colóquio Tradições: Uma Renovação Contínua]

13.7.07

A Árvore Seca II



"No ínfimo desta fábrica está uma estátua (...). A estátua querem dizer que é representação da Real Casa de Bragança. Sucedeu quando veio tomar o hábito o Infante Dom Duarte ao passar pelo sítio desta Janela e demorando-se a vê-la um dos freires que o cortejavam lhe disse como intrometido e com pouca reflexão o pensamento que dissemos da ideia que se faz daquela fábrica.
- Se é assim, senhor, muito seco está aquele tronco para as esperanças pelo que representa
ao que logo respondeu o senhor D. Duarte:
- Não está tão seco que não possa reverdecer e brotar com mais força."

in Historia da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo Dedicada e Offerecida a ElRey Nosso Senhor D. Joseph I
, Frei Bernardo da Costa. 1773


[Duarte de Bragança, n. 1605 Vila Viçosa f. 1649 Milão, senhor de Vila do Conde, infante de Teodósio II, Duque de Bragança e irmão do futuro D. João IV de Portugal. Recusando-se a servir a coroa filipina, serviu nas armas do Imperador Fernando III do Sacro-Império, na guerra dos trinta anos. Após a restauração em Portugal, foi traído pelo Imperador, a pedido de Espanha, preso sucessivamente em Passau e Graz (Áustria) acabando por ser vendido aos espanhóis que o encerraram no castelo de Milão, onde veio a falecer ao fim de oito anos de cativeiro]

30.6.07

Caliban

[ilha de moçambique]


Há muitos, muitos anos já - tantos
que o real mal esboçava o corpo
do que viria a ser fantasia e lenda

e o homem era um bicho inocente
e natural pois nem sequer inventara
ainda mistérios para depois da morte,
lugares recônditos para o amor
e coisas como o pecado, o crime ou a guerra
- aconteceu, certa feita, terem acordado
as gentes de terra firme, para um estranho
facto: a neblina era pesada e densa
e não se via mais a ilha. Aflitos,
os homens gritaram: " - Desapareceu
a ilha, desapareceu a ilha!"
Parecia terem-na tragado as águas,
era só um mar de chumbo a perder
de vista, um pasmo silencioso sem
o claro rumor de gaivotas e velas brancas
na baía. Quando voltou a surgir,
raiava o sol e a ilha estava no céu,
reclinada entre nuvens e azul,
o insuportável diamante iridiscente
de que ainda hoje guarda o resplendor.

Lenda, Rui Knopfli